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MS tem 121 entidades suspeitas de descontos indevidos no INSS

Procuradora do Estado verificou alto volume de autores de descontos indevidos; 11 delas já são alvo da Polícia Federal

por Nathally Martins da Silva Bulhões

EDUARDO MIRANDA

Levantamento da Procuradora-Chefe da Coordenadoria Jurídica do Procon de Mato Grosso do Sul (Procon-MS), Carla Cardoso Nunes da Cunha, que o Correio do Estado teve acesso em primeira mão, mostra que o volume de descontos indevidos nos benefícios pagos pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) pode ser muito maior que o identificado até agora pela Polícia Federal na Operação “Sem Desconto”.

Carla Cardoso Nunes da Cunha e uma equipe que envolve 21 coordenadorias municipais de Defesa do Consumidor do Estado, verificaram que pelo menos 121 entidades associativas ou empresas tem feito descontos indevidos nos benefícios de aposentados e pensionistas. Deste total, 11 já são alvo da Polícia Federal.

As 121 entidades suspeitas de descontos indevidos identificadas pela CJUR-Procon/MS também representam um número 11 vezes maior do que o revelado até agora pela Polícia Federal. A procuradora do Estado também observou que o INSS, em seu site oficial, lista apenas 29 entidades com as quais teria acordos em vigor.

O relatório assinado por Carla Cardoso já foi entregue para vários órgãos públicos, como o Ministério Público Federal, a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal. O objetivo é contribuir com as investigações em andamento.

Em todo o Estado de Mato Grosso do Sul, somente o sistema dos Procons identificou quase 4 mil reclamações dos descontos indevidos em beneficiários do INSS.  Este número, contudo, é considerado subestimado, pois apenas 21 dos 45 Procons municipais responderam à consulta da Coordenadora Jurídica do Procon estadual.

As queixas
A pesquisa foi motivada pelo XXIV Encontro de Procons Municipais, em novembro de 2024, que abordou o tema dos descontos ilegais em aposentadorias e pensões. O encontro, porém, foi resultado de uma forte demanda que vinha de cada unidade do Procon no interior do Estado e na Capital, conforme explica Carla Cardoso.

“Quando o encontro começou, todos que estavam eram claros em afirmar que os descontos indevidos nos benefícios do INSS era uma das maiores queixas dos consumidores, ao lado, claro, dos serviços de prestação contínua (água, luz, telefone…)”, explica a procuradora do Estado.

Ao receber a demanda dos Procons, a procuradora Carla Cardoso procurou a instrução normativa 162 do INSS, do início de 2024, e verificou que os critérios para a autorização de desconto eram muito rígidos e que, claramente, os descontos apontados como indevidos como os beneficiários burlavam esta instrução normativa, pois não tinham autorização expressa.

“Foi então que eu constatei que havia alguma coisa errada. Porque o INSS então, teria que ter um rol de 121 entidades no mínimo, correto?”, indaga a procuradora.

O INSS só autorizava, até então, 29 entidades a promoverem o desconto no benefício, isso quando a normativa 162 era cumprida, com uma série de exigências que vão de assinatura, reconhecimento facial, dentre outras formas de anuências expressas para descontos.

O relatório assinado pela procuradora do Estado foi concluído em 30 de abril de 2025, inclui relatórios detalhados com a lista das entidades reclamadas, organizados por ordem decrescente de volume de reclamações, ordem alfabética e por município.

Além das cópias enviadas para à CGU, MPF e Polícia Federal, o Conselho Estadual de Defesa do Consumidor (CEDC) também está ciente das constatações. Caso haja uma aprovação, há a possibilidade de ajuizamento de uma ação civil pública contra o INSS.

No Estado do Espírito Santo, uma ação similar já foi ajuizada. Ela, porém, foi suspensa depois que a Operação Sem Desconto da Polícia Federal foi desencadeada, no dia 23 de abril. A suspeita inicial é de que pelo menos R$ 6 bilhões, por meio de 11 entidades, tenham sido descontados indevidamente dos benefícios de aposentados e pensionistas do INSS.

Recomendações
As recomendações da Procuradora do Estado que é Coordenadora Jurídica do Procon incluem:

– a criação de um canal de denúncia específico para fraudes relacionadas a descontos indevidos no site do INSS
– a suspensão temporária dos descontos de entidades sob investigação e,
– a atuação coordenada entre os Procons de todo o Brasil para proteger os consumidores.
Para Carla Cardoso, a disparidade significativa entre os números de entidades suspeitas identificadas em Mato Grosso do Sul e pela Polícia Federal reforça a urgência de ações mais efetivas para combater essa prática, especialmente considerando a vulnerabilidade dos beneficiários do INSS, muitos deles idosos e com baixa familiaridade com tecnologias digitais.

“Isso aqui destrói família, destrói vida, mata pessoas”, afirma a procuradora, ao ressaltar a gravidade de problema, sobretudo porque a maioria das vítimas dos descontos indevidos identificados pelos Procons de Mato Grosso do Sul são idosos, muitos deles em situação de superendividamento.

“Essas pessoas precisam de nós, precisam do conselho estadual, precisam do Ministério Público, porque muitos são analfabetos digitais, muitos são idosos, não têm ninguém por eles. É para piorar pega, muitos já  não tem saúde para lutar por seus direitos”, descreve a procuradora do Estado.

 

Entenda
A Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal em abril de 2025, investiga um esquema de descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS.

A investigação aponta que entidades como sindicatos e associações realizaram descontos associativos sem autorização dos beneficiários, por meio de acordos de cooperação técnica com o INSS. Estima-se que cerca de 4,1 milhões de pessoas tenham sido afetadas, com um prejuízo total de aproximadamente R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024 .

Em resposta às denúncias, o Congresso Nacional aprovou a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar as irregularidades no INSS. O pedido foi apresentado no mês passado, com apoio de parlamentares da oposição e de alguns membros da base governista.

O governo federal anunciou medidas para ressarcir os aposentados e pensionistas prejudicados. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a estimativa de devolução dos valores indevidamente descontados varia entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões. O governo pretende concluir os ressarcimentos até 31 de dezembro de 2025 .

Para facilitar o processo de devolução, o INSS iniciou notificações aos segurados por meio do aplicativo Meu INSS e do telefone 135, solicitando que informem se autorizaram os descontos. Além disso, agências dos Correios passaram a oferecer atendimento presencial para os beneficiários afetados .

A operação resultou no bloqueio de aproximadamente R$ 1 bilhão em recursos das entidades investigadas, que estão sendo utilizados para o ressarcimento dos prejudicados. A Advocacia-Geral da União (AGU) também solicitou o bloqueio de mais R$ 2,5 bilhões, aguardando decisão judicial .

Foto : Gerson de Oliveira

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